Pular para o conteúdo principal

A Ambiguidade da Riqueza


Nenhum de nós sabe precisar em que momento o dinheiro se insidia na nossa vida como facilitador dos relacionamentos.  O dinheiro torna as pessoas mais contentes com quem o proporcionou e nos sentimos mais a vontade com quem está satisfeito conosco. Seja sob a forma de um presente, um agrado, ou quando damos uma boa gorjeta a quem nos prestou um serviço. Uma vez, tendo a chave da confiança, relaxamos. Fixamos um ponto de corte. Somos objeto do agradecimento de alguém pela nossa gentileza inata. Uma afeição sincera, porque repousada em bases sólidas.
             O dinheiro, funcionando como mecanismo tradutor da nossa vontade, das nossas emoções, descomplica os vínculos que mantemos ao nosso redor. A amizade é estabelecida, consolidada sem que prestemos atenção a eventuais motivos obscuros. É às claras, respaldada pelo nosso desapego às qualidades financeiras _ estas impronunciáveis _ mas presentes o tempo todo, conferindo solidez às conexões.
            Quando exageramos na gentileza e generosidade, na ânsia de colecionarmos amigos, convém pensar se os queremos sempre perto de nós, elegendo aqueles dos quais esperamos lealdade. Como todo instrumento de atração, o dinheiro e suas manifestações não funciona isoladamente.
            Podemos desmistificar um pouco, ter uma relação sincera com o uso que fazemos do dinheiro. Um raciocínio mais direto, menos fantasioso, não é tão cínico assim. O que não evita o nosso amedrontamento só de pensar em encará-lo sem rodeios, esquecendo-se que nós, humanos, somos o pai da criança. Nós o inventamos como base das infinitas trocas que realizamos pela nossa sobrevivência. Ok. Quando nascemos, o dinheiro já existia, era tarde demais para reinventar a roda. Tudo bem. Só que ninguém, ao longo da história da humanidade conseguiu barrar o dinheiro como energia reguladora das relações humanas. Como mantenedora dos vínculos entre pessoas e povos, sejam esses, elos culturais, religiosos, de sobrevivência ou financeiros, propriamente ditos. 
            Não dá para recuar. Não nos tornamos mais desumanos por usufruir dele. Talvez seja necessária uma precaução quando à ambiguidade da riqueza, do poder, do manejo com o dinheiro. Essa ambiguidade é a fonte última. É a face palpável de uma relação de escravidão, que, como nos primórdios da civilização, permanece dividindo-nos em dominadores e dominados. Essa imprecisão nos desafia à racionalidade. Quem sabe, não seja o nosso desafio maior, a prova final que nos outorgaria o direito de nos denominarmos seres morais, éticos e humanos.

Comentários

  1. Lidar com dinheiro pode ter lá suas vantagens, pois nos livra de possíveis intimidades. Mas também nos deixa vulneráveis a toda sorte de oportunismos. Assim, dizia um conhecido: "Melhor gastá-lo em coisa boas e que nos traga satisfação imediata. Porque dinheiro foi feito para se dá, pois quem recebe acaba sempre como devedor e está fechado o círculo do poder".

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Por favor, deixe aqui sua opinião sobre o texto.

Postagens mais visitadas deste blog

Jogo de Palavras

Dizer que foi o receptor da comunicação quem se equivocou é uma atitude cômoda para o emissor, porém arriscada, já que a conversa pode se encerrar por ali. Quando lançamos mão do tradicional “você é que não me entendeu”, estamos transferindo para o outro a responsabilidade pelo equívoco que nós mesmos provocamos. Na prática, a nossa atitude em si é arrogante, pois não admite a possibilidade de erro e ainda por cima se exime das conseqüências, como se fôssemos donos da verdade e só a nossa versão é que contasse. Seria muito mais humilde e receptivo trocar a mensagem por “eu não me fiz entender”. Acalma o interlocutor e de quebra nos dá fôlego para uma segunda chance. Ocorre que na maioria das vezes nos utilizamos dessa tática com a melhor das intenções e com o honesto propósito de esclarecer a idéia que queríamos transmitir. Como a resposta vem de imediato à nossa mente, estamos convictos que esta forma de se expressar é correta e tanto cremos nisso que a reação é automática e não enten

A métrica no poema e como metrificar os versos de um poema.

Texto publicado no site Autores.com.br em 25 de Novembro de 2009 Literatura - Dicas para novos autores Autor: PauloLeandroValoto "Alguns colegas me abordam querendo saber como faço para escrever e metrificar os versos de alguns de meus poemas. Diante desta solicitação de alguns colegas aqui do site, venho explicar qual a técnica em que utilizo para escrever poemas com versos metrificados. Muitos me abordam querendo saber: - Como faço? - Como é isso? - O que é métrica? - Como metrifico os versos de meus poemas? - Quero fazer um tambem. - Me explique como fazer. Vou descrever então de uma forma simples e objetiva a técnica que utilizo para escrever poemas metrificados. Primeiro vamos falar de métrica e depois vamos falar de como metrificar os versos de um poema. - A métrica no poema: Métrica é a medida do verso. Metrificação é o estudo da medida de cada verso. É a contagem das sílabas poéticas e as suas sonoridades onde as vogais, sem acentos tônicos, se unem uma com as outras fo

As greves do ABC paulista no final da década de 1970 e anos iniciais da década de 1980, vistas pelas lentes da fotografia engajada

          Toda imagem tem razão de ser: exprime e comunica sentidos. Carrega valores simbólicos; cumpre função religiosa, política, ideológica; presta-se a usos pedagógicos, litúrgicos e até mágicos.     Cartaz pela anistia que a polícia mandou retirar.  São Paulo, SP - 06/12/1978  Crédito: Ricardo Malta/N Imagem O processo que dá origem à fotografia se desenrola num momento histórico específico, em determinado contexto econômico, social, político, estético, religioso, que se configura no instante do registro. Culto ecumênico em memória de líder de sindicato rural assassinado  em Conceição do Araguaia, Pará. 1980. Foto de Juca Martins.  Copyright: Olhar Imagem   Mulher lavando roupa na favela Malvina. Macapá. Amapá. 1983.   Foto de Joao Roberto Ripper.   Copyright :Olhar imagem   Manifestação do Movimento Contra a Carestia. Praça da Sé. SP. 27.08.1978  Foto de Juca Martins.   Copyright: Olhar Imagem Movimento contra carestia, Praça da Sé, São Paulo. 27/08/1980  Crédito: Ricardo