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Mostrando postagens de março, 2010

Perceber-se

A distração indica a incapacidade de lidar com o contexto e a dificuldade de se manter vigilante. Vigiar pode parecer sinônimo de policiar gestos, pensamentos, cortando aqueles que não estejam voltados para a nossa leitura da questão. Aliás, o verbo vigiar desperta em nós certa repulsa por lembrar-nos instintivamente de que se algo está sendo objeto de cuidados, não se está no livre exercício de sua vontade e, portanto, sendo manipulado, cerceado e condicionado a uma situação da qual não conseguimos nos livrar. Ledo engano. A vigilância consciente sobre o nosso intelecto é o nosso reduto íntimo de liberdade, pois só ali chegamos a um nível quase imune de não-interferência externa. Perceber-se é um fenômeno inerente a quem mantém profunda sintonia com o seu eu interior e simbiose com o universo onde se insere. Sem fazer a troca intermitente com o meio ambiente, podemos focar ora em um, ora em outro e com isso não perceber as nuances sutis que fazem com que uma situação se transmute em

Ritmo

Sentir vontade de ficar sozinho não significa falta de amor pelos entes queridos, síndrome do pânico ou personalidade antissocial. Precisamos nos isolar de vez em quando para curtir a nós mesmos. Dar uma de narciso esporadicamente faz bem. Existem pequenos rituais que são prazerosos somente na solitude, na frente dos outros jamais. Mesmo a presença de alguém muito próximo, inibe. Com o companheiro e os filhos é pior. A proximidade dificulta. Quanto mais íntimos somos de alguém, mais precisamos de uma reserva que seja só nossa. É difícil suportar a invasão de privacidade, a delegação implícita a outrem para gerir nosso tempo e por tabela inibir a nossa vontade de agir por conta própria, ser dono de si e livre. Se nos calamos, consentimos, diz o bordão. Não se trata de prescindir das pessoas, mas precisamos nos alimentar para ter o que doar. Recompondo-nos internamente tornamo-nos mais capazes de ceder, sem que nos sintamos usurpados. Sermos roubados nos frustra e deixarmo-nos governar

Azar

Era visível a exasperação daquele senhor diante do caixa eletrônico. Suas mãos tremiam ao tentar pagar um boleto bancário, cujo código de barras a máquina insistia em não ler. Ao lado da máquina havia uma pilha de papéis, extratos, documentos que ele aparentemente não conseguia processar. - Precisa de ajuda, Senhor? – Indaga a funcionária. -Ah, preciso sim. Você trabalha aqui? Eu não entendo nada destas coisas. Vocês complicam demais. Porque eu não posso ir até o caixa e lá ele faz tudo para mim? Eu deixo o meu dinheiro aqui, não deixo? - Mas aqui é bem mais fácil e rápido. Eu oriento o Senhor - Atalha a atendente sorrindo. - Eu não quero aprender nada. Não preciso disso nessa altura da vida. Eu pago, logo quero ser bem atendido. Quero um funcionário que me dê isto tudo pronto. Será que é pedir demais? - Claro que não senhor. Vou processando aqui e o senhor me acompanha. - Você faz tudo aqui para mim nesta máquina. E quando eu precisar de novo? Você está sempre por aqui? - Semp

Piloto Automático

Quando externamos uma opinião que nos veio à tona e não temos na ponta da língua um arsenal lógico para explicar como chegamos àquela conclusão, ficamos numa encruzilhada se atribuirmos à intuição, apenas. Não há tempo para pesquisar no arquivo morto da memória e instantaneamente produzir uma resposta capaz de satisfazer o interlocutor. Só sabemos que ela existe e está lá, enclausurada no nosso cérebro, mas não temos como traduzir e transmitir a outrem. Não convence ninguém, mas não deixa de ser uma conclusão intelectual. Admitir comunicação com os bastidores da mente presume desligamento das questões externas. O ser humano tem um piloto automático ligado o tempo inteiro. De tanto repetir certos procedimentos, nem pensamos para agir. É a face boa da intuição, protegendo-nos de situações perigosas; linha direta com o conteúdo inconsciente que vasculha o conhecimento acumulado, racional, embora não passe pela análise, indo direto à síntese. Por outro lado, quando descamba para os temore

A arte de escrever Sonetos

Texto de Paola Rhoden, publicado no site Autores.com em 05 de novembro de 2009 Em primeiro lugar, não se ensina um poeta a escrever. Ele tira da alma o que sua mão escreve. Porém, a tarefa de escrever um soneto, uma obra considerada pelos intelectuais de símbolo da poesia, não é fácil. Não é fácil porque aqueles que cultuam essa técnica, não arredam pé de que é essencial para um soneto seguir as regras. Mas, para quem gosta e quer seguir por esta árdua estrada, abaixo seguem algumas delas: Um soneto é uma obra curta que transmite uma idéia completa. Para se escrever um soneto perfeito, ou clássico, como é chamado pelos profissionais de literatura, deve seguir as regras mundialmente utilizadas, que são: métrica, ritmo e rima. Um soneto clássico é formado por quatorze (14) versos decassílabos, dispostos em quatro estrofes, da seguinte maneira: a) dois quartetos ( ou quadras ); b) dois tercetos ( ou terças); c) a métrica deve seguir as normas. Cada um dos 14 versos deve ser decassíla

Mulher, Ser Humano Plural

Quando nos seguram os obstáculos Que o nosso imaginário nos impõe No fundo damos guarida Ao sentimento que nos afasta Da intimidade com a mãe natureza. Relação tão estreita Com o todo que hoje somos Tem algo de tempos idos De herança das ancestrais. Permanece este querer De ser sujeito na construção De um mundo melhor. Se outrora fomos guerreiras Hoje buscamos paz Continuamos transpondo barreiras E há campo para nós. Somos guardiãs da vida Precisamos ser atuantes Lado a lado, do nosso jeito No nosso ritmo, na nossa visão Porque do espaço que nos cabe Não podemos abrir mão.

Poetrix ou Haicai?

TÍTULO: O haikai não admite título. No Poetrix ele é obrigatório e, na maioria das vezes, complementa o texto. MÉTRICA: No haikai - 5-7-5 sílabas. No poetrix, máximo de 30 sílabas poéticas. FIGURAS DE LINGUAGEM: O haikai não admite. No poetrix, metáforas e neologismos são bem-vindos. AUTOR: No haikai, o autor não influi no fato observado. Já no poetrix, ele interage com o fato e, mesmo, com o leitor, através de mensagens subliminares. CONCISÃO: O haikai é descritivo. Já o poetrix é minimalista; busca a síntese. Dizer muito com poucas palavras. TEMPO: No haikai: presente. No poetrix: passado, presente e futuro, como uma só dimensão. ESPAÇO: No haikai, a cena é rural, sobre a natureza; estações do ano, flores, frutos, animais, tempo, clima, etc. É como um flash fotográfico onde o autor apresenta a inspiração que captou ao observar a cena. No poetrix, admite-se todos os espaços, mais especificamente o urbano, e o autor pode falar de si, aparecer, interferir, expor os