Pular para o conteúdo principal

A medida da vaidade




A vaidade é um dos elos indesejáveis na corrente do bem. Para que as pessoas sejam estimuladas a engajar-se numa boa ação é preciso que elas saibam que esse modelo existe para que possam empenhar seu tempo e esforço agregando valor a essa cadeia possibilitando que o bem se expanda. Mas o pecado está na vaidade. Ao se expor, mesmo que com a melhor das intenções estamos dizendo ao mundo que somos bonzinhos, que fazemos isso e aquilo e cá prá nós, traz uma satisfação ímpar ao nosso íntimo. Esta fogueira de estímulos se propaga ao ponto de inviabilizar ações benéficas se duradouras, pois o que era para ser um trabalho altruísta acaba se tornando uma guerra de egos.


Todos gostamos do aplauso, faz parte da nossa natureza de ser social estar buscar sinais de aprovação onde quer que eles estejam, mesmo que sutis e que o nosso íntimo possa exultar e sentir: "alguém me viu". Vaidade misturada com poder, a dupla que anda sempre junta na demarcação do espaço que julgamos ter direito.


Na esfera institucional, virou moda a responsabilidade sócio-ambiental nas empresas, que combina o binônimo natureza e relacionamento social. A instituição ou empresa que não explicita sua preocupação com o meio ambiente e com as pessoas que interagem com ela está fadada à exposição pública, taxada de politicamente incorreta. A alternativa é fazer, simplesmente, mas dê-lhe mídia para divulgar que está realizando e não raro, gasta mais com a publicidade do que com a atividade em si. “Puxa, mas o que quer então a turma da patrulha? Se não faz é cão danado e se faz é exibida, vaidosa?”. Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. O que se defende é o cuidado com o brilho e não se deixar ofuscar por ele. É instintivo, inocente até. "Mas como eu não estou fazendo nada? Eu faço isto, isto e isto. É pouco?". Cada um faz o que pode, o que está ao seu alcance e a visibilidade também faz parte do encadeamento. O difícil é acertar a dose e ser sincero. Podemos calcular racionalmente todos os benefícios que um produto irá proporcionar ao consumidor, mas se não encontrarmos uma forma de atingir o consumidor no seu lado emocional, ele pode até emplacar, mas antes dele vai ter muito produto pior porém mais focado na divulgação que vai cair no gosto do mercado muito antes ou até o ofusque ou destrua quem não teve tanto cuidao assim com a propaganda.


Mesmo ícones do altruísmo, com um histórico incontestável de atitudes de vida voltada para o próximo não escapam dela. Um exemplo nos é trazido na entrevista concedida à jornalista Marília Gabriela por Marcel Souto Maior, biógrafo do falecido médium Chico Xavier. Indagado se havia algo que o incomodava em Chico Xavier, ele afirmou: "Sim. A vaidade. Nos últimos anos da vida dele, aqueles mutirões de caridade e cura seduziam multidões e os meios de comunicação divulgavam maciçamente tais eventos. Mesmo com a saúde frágil, tais ocasiões lhe eram muito agradáveis".


Refletir sobre a vaidade não é suficiente para que sejamos "perdoados" do pecado de conviver com ela admitir que a temos e que de certa forma até, ela faz parte do contexto das boas ações. O próprio ato de repensá-la para saber se está na medida certa para com os propósitos do bem, embora bem intencionado não deixa de ser apenas uma constatação. Significa assumir que somos vaidosos não só no que se refere à imagem como também quando se trata de ações, por mais altruístas que pareçam. Todos nós estamos sujeitos mesmo quando não divulgamos explicitamente o bem que fizemos, não resistimos e avisamos em pensamento ao Deus da nossa crença: "Olha lá, estás vendo que eu fiz uma boa ação, não está?. Vê se põe na minha contabilidade do bem”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Jogo de Palavras

Dizer que foi o receptor da comunicação quem se equivocou é uma atitude cômoda para o emissor, porém arriscada, já que a conversa pode se encerrar por ali. Quando lançamos mão do tradicional “você é que não me entendeu”, estamos transferindo para o outro a responsabilidade pelo equívoco que nós mesmos provocamos. Na prática, a nossa atitude em si é arrogante, pois não admite a possibilidade de erro e ainda por cima se exime das conseqüências, como se fôssemos donos da verdade e só a nossa versão é que contasse. Seria muito mais humilde e receptivo trocar a mensagem por “eu não me fiz entender”. Acalma o interlocutor e de quebra nos dá fôlego para uma segunda chance. Ocorre que na maioria das vezes nos utilizamos dessa tática com a melhor das intenções e com o honesto propósito de esclarecer a idéia que queríamos transmitir. Como a resposta vem de imediato à nossa mente, estamos convictos que esta forma de se expressar é correta e tanto cremos nisso que a reação é automática e não enten

A métrica no poema e como metrificar os versos de um poema.

Texto publicado no site Autores.com.br em 25 de Novembro de 2009 Literatura - Dicas para novos autores Autor: PauloLeandroValoto "Alguns colegas me abordam querendo saber como faço para escrever e metrificar os versos de alguns de meus poemas. Diante desta solicitação de alguns colegas aqui do site, venho explicar qual a técnica em que utilizo para escrever poemas com versos metrificados. Muitos me abordam querendo saber: - Como faço? - Como é isso? - O que é métrica? - Como metrifico os versos de meus poemas? - Quero fazer um tambem. - Me explique como fazer. Vou descrever então de uma forma simples e objetiva a técnica que utilizo para escrever poemas metrificados. Primeiro vamos falar de métrica e depois vamos falar de como metrificar os versos de um poema. - A métrica no poema: Métrica é a medida do verso. Metrificação é o estudo da medida de cada verso. É a contagem das sílabas poéticas e as suas sonoridades onde as vogais, sem acentos tônicos, se unem uma com as outras fo

Lidando com opiniões não solicitadas

“Obrigado(a), mas quando eu quero ou preciso de opinião, normalmente eu peço”. Conta-se nos dedos quem tem coragem de dizer a frase acima àquele que resolveu emitir seu parecer sem ter sido consultado, com a fleuma de um súdito da rainha da Inglaterra. Convenhamos, uma resposta dessas ou similar encerra a questão e, se houver, termina também com a amizade ou qualquer relacionamento. Sentimo-nos inclinados a expressar nosso juízo sobre aquilo acontece ao redor, sobre o bate-papo que estamos participando... Até aí tudo bem. Se alguém está abrindo uma questão num grupo presume-se que saiba de antemão que está se expondo e em conseqüência, deve ter capacidade de absorver as argumentações que virão. Do contrário, é melhor nem provocar o assunto. Poucas pessoas se mostram receptivas a críticas quando em público. E se há dificuldade em administrar isso, a tendência da maioria é se esconderem sob o rótulo da timidez. Ou ainda, sob o direito que cada um tem à sua privacidade e reparti-la some