Pular para o conteúdo principal

LIMITES (ou a saga do Planeta Atlântida)



É incrível como nossos filhotes de classe média estão entendidos de leis. São pequenos rábulas, os anjinhos. Pelo menos para saber o que já dá para ser liberado e em qual idade e a partir daí fazer analogias de deixar nós pais e mães de cabelo em pé.
Eles também sabem que existe Estatuto da Criança e do Adolescente, leis de proibição ao trabalho do menor; que aos dezesseis já podem votar; a partir dos dezoito podem ganhar carro e dirigir. Concomitantemente ao carro que imaginam ganhar vem no porta-malas a carta de alforria na tão sonhada maioridade. Aí então, vai ser uma festa, não vão precisar dar satisfação para ninguém, já que serão “de maior”. É uma sabedoria só, tudo na ponta da língua, do mesmo jeito que gostaríamos que soubessem aquelas questões da prova de física ou escrever na internet sem maltratar a língua portuguesa.
Alto lá. Alguém se esqueceu de dizer que tudo tem uma contrapartida. Quer ser livre? Ótimo. Mas precisa pagar todas as contas, as emocionais e as financeiras. E antes que nos chamem de egoístas e chantagistas, estudar nada mais é que uma atribuição curricular da criança e do adolescente e tirar boas notas, idem.
Quem é que está sendo explorado? O filho ou os pais quando o primeiro se nega a juntar as roupas que ele mesmo deixou pelo chão, reclama que não acha o tênis que deixou atirado e que os pais devem encontrar para ele? Coincidência ou não a maioria de nós pais está na faixa dos quarenta, sem a forma física dos vinte, com estresse em dobro e louco para que alguém faça por ele as pequenas tarefas domésticas. E ainda precisa cumprir o que é atribuição dos mais novos da casa, porque esta geração se nega a ser “explorada” para o “trabalho familiar”, quando na verdade é a sua contrapartida no núcleo do qual faz parte.
A cada fase que eles completam começa a requisição de direitos: “tenho doze, já posso ir ao Planeta Atlântida (o festival de música que acontece todo fevereiro na praia de Atlântida, aqui no Rio Grande do Sul.) Lá no site diz que a idade mínima é de doze anos”. E agora? Só com pai ou mãe junto, dizemos. Aí é pagar mico. Todos os amigos vão sem os velhos. E a terceira idade vai fazer o quê lá? Estão querendo vigiar, não confiam, estes papos.
É recorrente a idéia que nós, a geração pós-ditadura inconformados com o excesso de cuidado que tivemos na adolescência, ficamos de coração partido ao impor limites aos nossos filhos. E a palavrinha mágica está em todos os manuais de educação de criança e adolescentes. Principalmente esta última que é uma fase particularmente conturbada. Podemos até não admitir para eles que também tivemos nossos períodos que o Nenhum de Nós canta em uma das suas músicas: “...adolescência vazia, eu tinha quase dezesseis. Ninguém me compreendia e eu não compreendia ninguém...” Faz parte. Mas daí a não enfrentar as dificuldades não ajuda em nada na formação dos homens e mulheres do futuro. O que os livros não dizem é na prática, fazemos o quê mesmo? Não imaginamos com antecedência o que os nossos advogados em causa própria vão dizer no calor da argumentação. E saber o que responder e que decisão tomar parece roteiro de planejamento estratégico e eles não são adversários a enfrentar. São apenas os nossos filhos, aqueles mesmos que embalamos e babamos a cada feito deles na infância. E aí ele vale bater o pé na idade mínima, enquanto a analogia da galerinha tem pontos falhos e soltar aos poucos, sob controle. Tudo tem seu preço. Talvez tenhamos que ir ao Planeta Atlântida sim, embora ficar horas acordados no meio da gurizada, possa causar arrepios. Mas se acompanhamos no primeiro ano, fica mais fácil aceitar no segundo e acreditar que pai e mãe são bons companheiros sim. E vai que gostemos?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Jogo de Palavras

Dizer que foi o receptor da comunicação quem se equivocou é uma atitude cômoda para o emissor, porém arriscada, já que a conversa pode se encerrar por ali. Quando lançamos mão do tradicional “você é que não me entendeu”, estamos transferindo para o outro a responsabilidade pelo equívoco que nós mesmos provocamos. Na prática, a nossa atitude em si é arrogante, pois não admite a possibilidade de erro e ainda por cima se exime das conseqüências, como se fôssemos donos da verdade e só a nossa versão é que contasse. Seria muito mais humilde e receptivo trocar a mensagem por “eu não me fiz entender”. Acalma o interlocutor e de quebra nos dá fôlego para uma segunda chance. Ocorre que na maioria das vezes nos utilizamos dessa tática com a melhor das intenções e com o honesto propósito de esclarecer a idéia que queríamos transmitir. Como a resposta vem de imediato à nossa mente, estamos convictos que esta forma de se expressar é correta e tanto cremos nisso que a reação é automática e não enten

A métrica no poema e como metrificar os versos de um poema.

Texto publicado no site Autores.com.br em 25 de Novembro de 2009 Literatura - Dicas para novos autores Autor: PauloLeandroValoto "Alguns colegas me abordam querendo saber como faço para escrever e metrificar os versos de alguns de meus poemas. Diante desta solicitação de alguns colegas aqui do site, venho explicar qual a técnica em que utilizo para escrever poemas com versos metrificados. Muitos me abordam querendo saber: - Como faço? - Como é isso? - O que é métrica? - Como metrifico os versos de meus poemas? - Quero fazer um tambem. - Me explique como fazer. Vou descrever então de uma forma simples e objetiva a técnica que utilizo para escrever poemas metrificados. Primeiro vamos falar de métrica e depois vamos falar de como metrificar os versos de um poema. - A métrica no poema: Métrica é a medida do verso. Metrificação é o estudo da medida de cada verso. É a contagem das sílabas poéticas e as suas sonoridades onde as vogais, sem acentos tônicos, se unem uma com as outras fo

As greves do ABC paulista no final da década de 1970 e anos iniciais da década de 1980, vistas pelas lentes da fotografia engajada

          Toda imagem tem razão de ser: exprime e comunica sentidos. Carrega valores simbólicos; cumpre função religiosa, política, ideológica; presta-se a usos pedagógicos, litúrgicos e até mágicos.     Cartaz pela anistia que a polícia mandou retirar.  São Paulo, SP - 06/12/1978  Crédito: Ricardo Malta/N Imagem O processo que dá origem à fotografia se desenrola num momento histórico específico, em determinado contexto econômico, social, político, estético, religioso, que se configura no instante do registro. Culto ecumênico em memória de líder de sindicato rural assassinado  em Conceição do Araguaia, Pará. 1980. Foto de Juca Martins.  Copyright: Olhar Imagem   Mulher lavando roupa na favela Malvina. Macapá. Amapá. 1983.   Foto de Joao Roberto Ripper.   Copyright :Olhar imagem   Manifestação do Movimento Contra a Carestia. Praça da Sé. SP. 27.08.1978  Foto de Juca Martins.   Copyright: Olhar Imagem Movimento contra carestia, Praça da Sé, São Paulo. 27/08/1980  Crédito: Ricardo